terça-feira, setembro 15

silêncio, por favor

Entre aquelas quatro paredes, permanecemos ali calados. Confundindo pensamentos com o fumo dos nossos cigarros, com o barulho silencioso das chávenas de café a bater nos pires. O cinzeiro estava cheio, cheio de tudo ao contrário de nós. As palavras fugiram, tornámo-nos mudos assim que percebemos que estar ali era a mesma coisa que não estar, que dizer alguma coisa não iria valer de nada, porque a vida às vezes é muito assim, é fazermos algo com noventa e nove por cento das certezas de que nada vai mudar. E de fato não mudou. Gastámos tudo o que tínhamos um com o outro. 
Talvez tenha sobrado um pouco de amor nesse tudo, para ainda conseguirmos estar frente a frente - e termos a ligeira paciência de ouvir os nossos olhares no meio daquele movimento todo -, mas penso que esse pouco de amor um dia volte a encher-nos os corações. Ou não. E é-me completamente difícil neste momento estar a tentar descodificar o futuro, enquanto que antigamente era o melhor que eu sabia fazer contigo; claro, só na minha cabeça, porque nada passava pela tua, apenas a tua mania de atrasado mental em achar que nada dura para sempre. Talvez hoje goste ainda mais de ti pelo que me ensinaste, por me teres salvo da vida florida e de Cinderela em que eu pensava viver.

- Qual é a razão de estarmos aqui?

Penso que nenhuma. Outrora havia razões para estarmos neste mundo juntos, hoje já não as encontro.
Quiseste sempre medir tudo o que fizeste por mim, e já era muito para ti, era uma coisa estapafúrdia dares-me tudo aquilo à espera que te desse algo em troca. Meu querido, quando se ama alguém, dá-se o mundo inteiro, saltas a porra do muro de Berlim se te apetecer, vais à lua, escreves o meu nome e voltas.
No meio de voltas ao passado na minha cabeça, enquanto aqui estou sentada à tua frente, tenho vontade de ir embora, vontade talvez de te atirar a merda do copo de água à cara e dizer para não me apareceres mais à frente. De nos convencer que a vida é sempre um regresso a casa, mas nem isso me apetece. Apetece-me inventar mil e uma coisas só para acreditares que o amor é uma merda borrada que habita nos nossos corações, que nunca mais vais conseguir lidar com ele, sem mim; que qualquer outra mulher que te apareça à frente não servirá para ti. Apetece-me dizer-te que a tua vida será pobre porque eu já não faço parte dela, mas não vou dizê-lo. Não vou mandar-te à cara o meu egoísmo no amor, não vou armar-me em perfeita contigo. Nunca fui, nunca serei.

- A razão de estarmos aqui é provarmos um ao outro, e mesmo a quem nunca soube de nós, que o silêncio é o melhor caminho para dois corações que já não se pertencem.

(acendi o cigarro e fui-me embora)

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